CARLOTA E A LUA
Há quarenta anos, o mês de Julho foi de entusiasmo planetário. É que a Apollo ia pelos ares fora determinada a pousar na Lua mais os seus tripulantes. Eu estava de férias em Tomar, na casa de Fernanda Porto, a senhora toda posta por ordem que deixou marca no Turismo, onde trabalhou trinta anos.
A verdade é que ela estava muito mais entusiasmada do que eu com a viagem à Lua. Tanto o estava que ficou toda a noite duante do aparelho de TV, sem perder pitada, enquanto eu cedi ao sono e fui dormir. Mas ela, não, ali firme, para grande escândalo da Carlota, que então trabalhava lá em casa a pedido do senhor prior que, compungido, aconselhava ajuda e paciência por ser ela, no seu dizer, um "bocado lenta". Quando se foi deitar, a Carlota disse à senhora que devia era deitar-se e descansar, em vez de estar ali, como os cachopos, ela dizia assim, agarrada à televisão. De manhã é que foi o bom e o bonito, quando a senhora ainda afundada no cadeirão e sem desviar os olhos da TV, no exacto momento em que os astronautas pisavam o solo lunar. Oh minha senhora, parece impossível! - exclamou a Carlota numa furiosa estupefacção. E a resposta veio de recochete: Oh mulher, cale-se e sente-se aqui ao meu lado a ver esta maravilha. Desconfiada, a Carlota tratou de obedecer. E a patroa a insistir: Está ali a vê-los? Está a ver as pegadas que eles deixam? Aquilo era demais para a Carlota, que se levantou impetuosamente e sentenciou: Mas a senhora não vê que isto é tudo armado pelos americanos? Então a senhora acredita nisto?
E não houve nada que a demovesse. Era assim, uma mulher de convicções inabaláveis. Tinha trabalhado em Moçambique, onde namorou um rapaz de lá que nunca esqueceu. Uma ocasião Fernanda Porto perguntou-lhe se sabia do rapaz e a Carlota respondeu que não, nunca mais tinha sabido dele. Fernanda Porto adiantou que talvez ele lá estivesse em trabalhos por causa da guerra.
- Da guerra?!!! Qual guerra, minha senhora?
-Oh Carlota, qual guerra! Então a guerra que anda em África, já há anos.
- A senhora diz cada coisa! Olha, guerra em África, nem que o Salazar deixasse...
Não havia volta a dar-lhe.
=o=o=o=o=
Há quarenta anos, o mês de Julho foi de entusiasmo planetário. É que a Apollo ia pelos ares fora determinada a pousar na Lua mais os seus tripulantes. Eu estava de férias em Tomar, na casa de Fernanda Porto, a senhora toda posta por ordem que deixou marca no Turismo, onde trabalhou trinta anos.
A verdade é que ela estava muito mais entusiasmada do que eu com a viagem à Lua. Tanto o estava que ficou toda a noite duante do aparelho de TV, sem perder pitada, enquanto eu cedi ao sono e fui dormir. Mas ela, não, ali firme, para grande escândalo da Carlota, que então trabalhava lá em casa a pedido do senhor prior que, compungido, aconselhava ajuda e paciência por ser ela, no seu dizer, um "bocado lenta". Quando se foi deitar, a Carlota disse à senhora que devia era deitar-se e descansar, em vez de estar ali, como os cachopos, ela dizia assim, agarrada à televisão. De manhã é que foi o bom e o bonito, quando a senhora ainda afundada no cadeirão e sem desviar os olhos da TV, no exacto momento em que os astronautas pisavam o solo lunar. Oh minha senhora, parece impossível! - exclamou a Carlota numa furiosa estupefacção. E a resposta veio de recochete: Oh mulher, cale-se e sente-se aqui ao meu lado a ver esta maravilha. Desconfiada, a Carlota tratou de obedecer. E a patroa a insistir: Está ali a vê-los? Está a ver as pegadas que eles deixam? Aquilo era demais para a Carlota, que se levantou impetuosamente e sentenciou: Mas a senhora não vê que isto é tudo armado pelos americanos? Então a senhora acredita nisto?
E não houve nada que a demovesse. Era assim, uma mulher de convicções inabaláveis. Tinha trabalhado em Moçambique, onde namorou um rapaz de lá que nunca esqueceu. Uma ocasião Fernanda Porto perguntou-lhe se sabia do rapaz e a Carlota respondeu que não, nunca mais tinha sabido dele. Fernanda Porto adiantou que talvez ele lá estivesse em trabalhos por causa da guerra.
- Da guerra?!!! Qual guerra, minha senhora?
-Oh Carlota, qual guerra! Então a guerra que anda em África, já há anos.
- A senhora diz cada coisa! Olha, guerra em África, nem que o Salazar deixasse...
Não havia volta a dar-lhe.
=o=o=o=o=
Sem comentários:
Enviar um comentário