Refugiado, ou "asilado político", como muitos me chamaram...exactamente ao contrário do que eu sou, cá vou sobrevivendo a todas estas mutações da vida. Para mim, todos os começos são manhãs de nevoeiro, povoadas de fantasmas em bosquejo ondeante e descolorido. Não há traço, nem forma, nem nome. É sempre de dentro deste mistério nebrinoso que algumas vezes sinto que chamam por mim. Sigo. Lanço-me. Começo a viver a vida, mas nunca pelo princípio. Procuro palavras, frases, que me entretenham ou que me embriaguem a mente. E só detecto palavras de solidão. As palavras de solidão são palavras que tantas vezes se escondem por baixo da trival comédia da vida; são palavras que batem no fundo de nós. E, com a mesma sabedoria que as plantas têm ao fazer as flores e os frutos, estou a tentar aprender a ler com elas, os traçados insensíveis das nuvens arrastadas pelo céu, as neblinas cálidas pousadas no entardecer, e a escutar a voz arrepiada dos sisudos peregrinos da noite... Volvida a pesada labuta de cada dia de "guerra", estou a tentar habituar-me a esguer os olhos ao céu, a esse céu estranho da noite, onde também gostaria imenso, de aprender os secretos meandros do infinito.
E, só no fim, depois de tudo ter acontecido, vejo o meu personagem estabilizar contornos inteligíveis a revelar-me muito do que sou e...não sabia!
Para alguns amigos, a lógica está primeiro. Para mim, ela só vem no fim. Ou para lá do fim, quando a inteligência desce a racionalizar sobre a campa daquilo que já viveu e já morreu. Eles, racionalizam impávidos a beleza do mundo; esventram, espostejam, esfibram o que de mais belo e sagrado há na vida. E sobre a campa rasa, eles levantam o elogio não do morto mas da morte. Ao nada pulvério que joeira por entre os dedos vitoriosos, chamam eles vida descoberta, finalmente entendida.
Nestas suas noéticas científicas, há sempre alguém, com o culto do que eles próprios chamam "objectivo"!
Nos intervalos de um filme, eles passam o tempo a advinhar o desenlace da cena e a discutir tecnologias cinematográficas ou a vida privada dos autores. A objectividade e historicidade destes amigos, fluctuam nessa superficialidade dermática. Não têm fôlego para mergulhar na profundidade de um enredo como processo, nem alma para viver as ressonâncias humanas de um acontecer, independentemente da trajectória exterior do personagem. Por isso, eles vibram mais com o jornal de cada dia, do que com livros ou com poesia! Para eles, a pequena notícia tem mais verdade que a lenda ou a grande ficção. E, se for futebol!... isso nem é bom falar!!!
CRUZ DOS SANTOS
Coimbra/Portugal
Sem comentários:
Enviar um comentário