A VERDADE VEM AO CIMO
Assim como a 1.a República teve pecados irremíveis, tembém esta república que por agora vivemos os tem tido. A que saíu de 5 de Outubro de 1910, herdeira directa e legítima do Regicídio, não se limpará nunca do sangue derramado pelo chefe do estado e seu filho nem das cruéis perseguições movidas à Igreja e seus servidores, e menos ainda dos milhares de homens que, mal alimentados e mal armados, foram carne para canhão na Primeira Guerra Mundial para satisfação e orgulho de Afonso Costa e quejandos.
Seguiu-se outra república intolerante, com ditadura, censura e polícia política, que bom caldo de cultura foi para a mediocridade que depois veio.
Nesta outra república, saída de 25 de Abril de 1974, o pecado maior, e sem perdão, foi a descolonização, isto é, o abandono precipitado das colónias e os povos que ali viviam.
Não é de louvar a guerra colonial que a ditadura podia e devia ter evitado, mas ela não podia justificar um abandono tão cobarde na forma e tão vil no conteúdo. Medíocres a quem interesses internacionais, e não apenas da União Soviética, deram força, foram os fautores e responsáveis perante a História desse abandono que se saldou por uma incalculável tragédia para milhões de portugueses de todas as raças.
Porque todas as revoluções arrastam consigo o lixo da confusão e do arbítrio, da mentira e da estupidez, é garantido que se procura fazer silêncio sobre o que se passou. Mas, felizmente, tem havido pessoas corajosas e dignas que, pouco a pouco, têm investigado esse passado sombrio e o têm dado à estampa em livros que, evidentemente, não merecem as menções dos que andam a estrangular o jornalismo na forca do politicamente correcto. Que a terra lhes seja leve.
Excelente exemplo de coragem e dignidade, de esforço e perseverança numa investigação que durou 20 anos, é a jornalista Leonor Figueiredo que, em 2009, publicou na editora Aletheia o livro FICHEIROS SECRETOS DA DESCOLONIZAÇÃO DE ANGOLA. É um documento sem preço sobre uma das maiores infâmias cometidas por esta república: o abandono de centenas de portugueses que, raptados ou presos pelas forças políticas que, em Angola, se opunham ao poder colonial português, sofreram as maiores sevícias nas masmorras e acabaram, muitos deles, por serem assassinados e atirados às valas comuns. Não foram em grande número os que conseguiram salvar-se desse inferno. Mas todos por igual foram esquecidos por este regime. O livro, documentado até à exaustão, não deixa lugar a dúvidas. Porque acredito no poder da palavra honrada, tenho a certeza que livros como este pesarão sobre o futuro.
Tocaram-me dois casos que Leonor Figueiredo apurou. Um foi o da médica Maria Fernanda Matos Sá Pereira Ramalho, em serviço na Maternidade de Luanda, raptada e barbaramente assassinada por ter descoberto uma sinistra trapaça do partido que havia de ser poder no termo da guerra civil. É que, em 1975, em plena barafunda de PREC, a minha querida amiga Rita Rolão Preto Vieira de Brito procurou-me, numa angústia, por ter sabido que essa médica, sua afilhada, tinha desaparecido. O outro caso relatado é o de Helder Neto, antigo preso político no Tarrafal que alguém que eu julgava amigo me enviou, na década de 60, com o pedido de o ajudar a saír de Portugal. Assim fiz, com a ajuda de uma jornalista estrangeira. Pode quem me lê imaginar o que senti quando, em 1975, soube que Helder Neto era um dos principais torcionários da nova pide de Angola. Por este livro soube que acabou abatido a tiro.
Este livro é um serviço prestado à verdade e a Portugal.
Fernanda Leitão
Toronto/Canadá
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