Crónica do Canadá
DEVÍAMOS PENSAR NA MORTE...
Devíamos pensar na morte. Analisá-la. Não como quem mede um inimigo, para ver se é possível derrotá-lo, mas como quem olha para dentro de si mesmo com o objectivo de se conhecer...
De todos os seres vivos, só o homem possui o conhecimento certo de que vai morrer. Esse conhecimento - manifestação de grandeza do homem - é luminoso e útil; permite-nos saber o que é e o que somos e o que são realmente todas as coisas; permite-nos tirar conclusões sobre o sentido da nossa existência - temporária, passageira - neste planeta que deambula num universo imenso.
Há muitas coisas que adquirem uma importância e uma cor diferentes no momento em que um médico vem nos dizer que temos apenas umas semanas de vida. Que importa então se o nosso clube ganhou ou perdeu, se o jantar é carne ou peixe, se visto esta camisola ou aquela, se certa pessoa disse aquilo de mim?...
Visto à luz da morte, tudo isto adquire a sua verdadeira envergadura. E entendemos, então, o que é importante e o que não é tanto. Ilumina-se o nosso olhar. E isso é útil para nós. Tira-nos de certos enganos a que somos extremamente atreitos.
Temos visto frequentemente como tantas pessoas orientaram a sua vida de acordo com as conclusões que tiraram de pensar na morte. Uns, considerando-a como final absoluto da existência, dedicaram os seus dias a satisfazer ao máximo os apetites, a obter o máximo possível de prazer...antes de que tudo acabasse. Outros consideraram que era possível viver eternamente - viver depois disto - e impuseram a si mesmos uma forma de vida com regras bem diferentes das dos outros, de forma a possuírem a esperança. Trocando o conhecido pelo desconhecido, o imediato pelo distante, o pequeno pelo grande.
Mas nós... temos medo. Custa-nos pensar na morte. Gostamos de viver - porque a vida é uma coisa fantástica - e nem queremos pensar em pensar que ela possa terminar. Adiamos uma análise, uma luz e uma orientação que de todo nos são necessárias.
Temos muito tempo...E apressamo-nos a pensar noutra coisa quando a morte toca em alguém que estava perto de nós. E procuramos distracções, para fugirmos a uma reflexão que a nossa natureza nos exige. E ocupamo-nos em futilidades.
Temos muito tempo... Mas o tempo é qualquer coisa que se corta num golpe súbito de tesoura, quase sempre sem aviso. Três semanas, três anos. Trinta anos... O tempo é apenas tempo. É água que escorre entre os dedos das mãos.
A verdade é que não temos muito tempo.
Enquanto cometemos a tolice de ir vivendo como se fossemos viver...sempre. A nossa vida está ás escuras, à espera de um acto de coragem que lhe de cor e sentido.
Pensamento da Semana
"A morte é mais universal do que a vida; todos morremos, mas nem todos vivemos"
(A. Sachs- actor inglês-1930)
Mano Belmonte
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